terça-feira, 29 de abril de 2008

Não estamos sós


Aproveitei o grande fim de semana, as low-costs e a comemoração de um aniversário de 11 anos para ir ao local onde tinha estado na honeymoon. Quando cheguei, dia da liberdade, a notícia nos jornais britânicos de Londres era uma manifestãção de professores como há muito não se via.

Lembrei-me que um responsável ministerial tinha referido recentemente o sistema inglês como o modelo inspirartório desta reforma (embora, como já alguém demonstrou, ela seja mais semelhante ao exemplo chileno).
Ora nem a calhar...

"We`re not alone..."

terça-feira, 22 de abril de 2008

Uma história de Abril sem piada.

Relembro o conhecido poema de Sophia de Mello Breyner Andresen sobre o 25 de Abril:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Conheço uma rapariga que, quando estava na Universidade, comentava com um seu professor, por sinal um facho de primeira, que ela e seus pais tinham o hábito de viajar sempre no 25 de Abril e sair do país. O dito professro dizia que os compreendia bem: era para esquecerem aquele mau momento da nossa história. É, sem dúvida, comportamento revelador daquilo em que se transformou (ou sempre terá sido) este povo: bajuladores, servis e com tendência para fugir dos problemas (ou melhor, para os contornar armados em chicos espertos). Mais uma prova do "aborregamento" de que falava, hoje mesmo, Saramago.
Isto para dizer, e salvaguardar, que eu próprio me irei ausentar do país neste fim de semana de três dias e, por isso, não poderei colocar post no Dia da Liberdade. Mas já o disse e repito: sinto-me de Abril. Não saio para esquecer esse dia inicial, inteiro e limpo, pois ele está sempre no meu coração.
Bons futuros dias da liberdade para todos vós. Precisamos de voltar a ter essa madrugada porque ansiamos, para livres voltarmos a habitar a substância do tempo.

domingo, 20 de abril de 2008

O "Massacre de Lisboa"

Passa agora mais um aniversário sobre o “massacre de Lisboa”, também conhecido por “matança da Páscoa”, nome mais condicente com a desumanidade a que se assistiu, e que agora evoco por o considerar merecedor da nossa reflexão.
Passo a sintetizar os factos (socorro-me, para isso da «Chronica do Felicissimo Rey D. Manuel da Gloriosa Memória» e de mais algumas referências historiográficas que poderei disponibilizar aos mais interessados no tema): a 19 de Abril de 1506, um domingo de Páscoa, numa missa, o povo de Lisboa julga ver a imagem de Cristo reflectida no altar- Milagre! Milagre!. Mas logo um cristão-novo (antigo judeu convertido – provavelmente à força-- ao cristianismo), imbuído de racionalismo diz tratar-se apenas de um reflexo do sol.
É este o suposto (e verosímil) ponto de partida para a “matança da Páscoa” em que cerca de 3000 ex-judeus foram torturados e barbaramente assassinados por uma populaça em fúria que os acusava de serem os principais responsáveis pela fome e peste que grassava então no país. Um acto de xenofobia da época de tristes causas e consequências.
Foi em 1506. Apenas 8 anos depois de Vasco da Gama ter aportado a Calecute, 6 depois da Descoberta “oficial” do Brasil. Aconteceu, portanto, no dealbar da era moderna e do glorioso período da expansão portuguesa. Que não terá afinal sido assim tão glorioso. Período de seca, peste, ódio religioso impregnado nas massas populares que haveria de conduzir á trágica instauração da inquisição em Portugal três décadas depois.
Os pontos para reflexão são muito muitos mas permito-me seleccionar um: os novos tempos do século XVI, modernos económica, científica e até culturalmente (entendendo-se aqui quantidade/qualidade de produção literária e artística) trouxeram também consigo a intolerância e a semente da futura estagnação. Relembro os efeitos da Inquisição no ser português (ninguém me tira da ideia que ela é gérmen deste gosto pela bufaria e a bajulação que mina o país). É este o tema – permitam-me a publicidade – do meu conto “A fonte de Mafamede” (colibri, 2002): nem sempre novos e supostos melhores tempos o são de facto; muitas vezes escondem a intolerância, o ódio, o pior do ser humano (acrescento ainda a eventuais leitores do dito conto, que o mesmo foi escrito nos dias que se seguiram ao 11 de Setembro).
Será que o tema “massacre de Lisboa”, ocorrido em 1506, é actual?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Debaixo do telhado que um dia foi o do Gato Esteves

É Abril e não me augurou nada de bom aquela conversa entre o Rochinha e a Tia Evangelista. Sobretudo quando vi a senhora partir rua fora com ar triste e sacada na mão. Não sei se voltará mais à cave deste telhado.
Debaixo do telhado que foi um dia o do Gato Esteves já não é a taberna em que todos os dias a Dona Inácia Roxo cozinhava os seus carapaus, umas vezes fritos outros de escabeche, que a mulher bem que sabia poupar e aproveitar. Desses tempos outros vieram e os da Dona Inácia aproveitaram-se para ir andando para outro sítio, com muita pena da senhora e do senhor seu marido. Quando se tratou de vender o estabelecimento (muito gostou o Roxo deste nome quando foi para vender: estabelecimento, é tão ... comercial!) não apareceram muitos interessados, se bem que o Rodrigo Capitão (neto do Sr. Capitão, o defunto reformado dos correios) ainda medeou um suposto interesse de uma imobiliária e até de um banco. Mas o casal Roxo publicitou a todos que o dinheiro não é tudo e acabou por se contentar em vender ao Rochinha, que entretanto se tinha casado com a Julinha, antiga empregada da casa, na condição de estes manterem o estabelecimento próximo ao que era, que lhes dava pena verem o seu estabelecimento transformado, e além disso havia um dever de lealdade a cumprir para com a clientela de semelhante estabelecimento, o que iria ela fazer se a taberna se transformasse numa pizzeria ou numa pastelaria queque?
É verdade que o Rochinha procedeu a algumas modificações: os azulejos da parede ganharam colorido, os posteres com as mulheres de mamas descomunais foram substituídos por calendários apelativos de empresas de reconhecido valor multinacional, as antigas mesas de madeira, todas riscadas e gravadas pelo uso, foram trocadas por umas de plástico oferecidas por marca de refrigerantes que os compromissos publicitários não me deixam referir. E, claro, o nome taberna também tinha que ser alterado, pois estabelecimento novo que se chame taberna ou tasca tem que ser coisa fina e com preços condicentes, o que o Rochinha não almejava. Parece que não lhe aceitaram "Estabelecimento do Rochinha" e acabou por optar por “Snack-bar da Julinha”, sendo sabido que tal designação – snack-bar –, era moderna pelos padrões dos anos sessenta e setenta, mas agora caiu definitivamente em desuso (eu, aliás, não me consigo lembrar de um snack-bar que tenha tido particular sucesso, mas deve ser da minha falta de cultura de restauração e petisqueiras). Enfim, a antiga taberna que fica por baixo daquele que um dia foi o telhado do Gato Esteves está um pouco mais actual (que não moderna, entenda-se) e de acordo com as normas que têm vindo a ser recentemente objecto de intensa legislação reformista com vista a fazer de Portugal um exemplo de imaculado asseio e esterilização nacionais. E o facto é que tem sobrevivido a umas visitas dos senhores da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (se bem que aquele constante cheiro a transpiração já um bocado azeda que a Julinha transporta deixe dúvidas no que respeita à salubridade geral). Mas a essas histórias – os da nova vida deste estabelecimento infelizmente chamado “snack-bar” -, voltarei noutro dia. É que não queria alongar-me muito mais neste post, pois os leitores dos blogues são pessoas de vida atarefada e sedentos de informação compactada, com tendência para ignorar as escritas de muitas linhas e que não realizem exercícios de raciocínio com final cáustico (dois defeitos que terá este pequeno texto).
É que é Abril – disse-o eu e sabe-o o leitor –, e fiquei preocupado com o meu futuro próximo quando vi a Ti Evangelista ir embora depois da conversa com o Rochinha. A Ti Evangelista levava na mão a sacada de caracóis que ela mesmo apanha e cozinha. E que antigamente trazia para gáudio de todos nós, freguesia do Roxo, que assim desenjoávamos dos carapaus fritos e de escabeche da Dona Inácia. Esta senhora chamada Evangelista é mulher dos tempos dos Roxos e esses tempos já se foram embora. Não tem contabilidade organizada nem obedece às novas normas de segurança alimentar. Agora que há tantos petiscos novos neste snack-bar logo me havia de dar as saudades dos caracóis da Ti Evangelista. Queremos sempre o que não temos (ou estou a ficar um velho jarreta e saudosista). Acho, pois, que vou apanhar caracóis.
Ou fazer uma visita à Ti Evangelista.
Até lá, então.

sábado, 12 de abril de 2008

A propósito da educação

É notícia hoje a suposta cedência da ministra aos sindicatos ou, segundo afirmações da dita, o “entendimento”. É evidente que os sindicatos gostam de cantar vitória, mas também o é que o “entendimento” mostra que a ministra, afinal, pertence ao género humano e até possui sentimentos solidários e piedosos como qualquer bom cristão. E calha bem fingir uma “derrota” mascarada de “entendimento” quando estamos a um ano das eleições e o país se lamenta com a recente descoberta de que os seus professores estão sujeitos a violência e outras sevícias diversas, coitadinhos.
Não me vou deter na questão pontual do acordo ou do entendimento. Parece-me evidente que nunca houve condições para se fazer uma avaliação apressada este ano (só a ministra pensa que basta publicar em Diário da República e diga "faça-se", para que o rebanho o faça, é natural, é a matéria de que a senhora é feita). Mas o processo está inquinado desde o início e a avaliação a partir do próximo ano revelar-se-á uma desgraça (acreditem que gostaria de não ter razão). Quando isso acontecer, nova derrota para os sindicatos pois mais uma vez os professores não se reverão nas suas organizações e condená-las-ão pelo acordo assinado.
O principal problema não radica (apenas) na avaliação dos professores. Outros diplomas legais vieram a lume e são um atentado à educação. Na verdade, a educação pública foi parcialmente destruída nos últimos anos. Não começou com esta ministra. Os primeiros golpes foram desferidos pelo ministro David Justino, pressionado pelos amigos do privado a estrangular as escolas do Estado. Mas um problema de consciência provocou lentidão no projecto e a acção do presidente da República tirou-lhe o resto do tempo disponível. Eis então que chega a despachadinha Maria de Lurdes Rodrigues toda cheia de ímpeto reformista, agora é que é, e, aliada à postura de déspota iluminado do século XXI do primeiro-ministro, leva o trabalho a bom termo com o beneplácito de jornalistas, comentadores e demais fazedores de opinião que só perceberam o que se passou... quando passou. Enfim, um passaporte de coelho.
Temo que tudo esteja irremediavelmente perdido. É verdade que os professores se uniram. Mas sinto, e vejo à minha volta, uma grande dose de pessimismo e de falta de vontade. Mais notório ainda nos professores que tradicionalmente eram activos e empreendedores, que dirigiam clubes, realizavam visitas de estudo e outras actividades extra-curriculares. Agora fala-se em reforma, procura de novos empregos. À raiva contra as políticas emanadas da 24 de Julho (e sabe-se lá de que mais recônditos locais veio a inspiração para estas reformas) sucedeu a tristeza. As salas de professores são agora locais macambúzios ocupados por funcionários carrancudos e silenciosos (ou murmurando lamentosos solilóquios) a tratar da papelada. Conseguiu-se trazer o mau ambiente das piores empresas para as escolas. Um feito!
Pode ser que haja acordo entre a ministra e os sindicatos, mas o mal já está feito. Sabe-se como é difícil chumbar o ano. Os docentes evitam dizê-lo alto para que os seus alunos não se apercebam, mas estes acabarão por saber que podem faltar à vontade que isso só aumentará a carga burocrática dos professores (a quem tenha dúvidas, favor consultar o Estatuto do aluno, lei 3/2208, de 18 de Janeiro, artigos 21º e 22º). Todos passam: os que trabalham, os que nada fazem, os que faltam, os que vão à escola, os calados e os ruidosos, os que querem aprender e os que cospem o chão que o professor pisa. Tudo vale na escola pública a partir de agora. A escola está a deixar de ser um local onde se transmite conhecimentos para ser um depósito de crianças enquanto os pais vão para o trabalho (ou ruminam em casa nas suas horas de desemprego). A ideia da escola democrática terminou. Doravante a escola seguirá os interesses das autarquias e dos partidos do poder local (veja-se a preconizada nova gestão). A escola não serve mais para formar cidadãos (ai que perigoso!), quando muito para criar alguns técnicos um pouco mais qualificados. Que não técnicos superiores, entenda-se, pois a palavra técnicos apenas disfarça a conotação libertária de “operário”. O melhor que a escola pode fazer agora, e é esse o supremo desejo de Sócrates & Rodrigues, é ajudar a economia do país com mão-de-obra minimamente (mas apenas minimamente) qualificada, feliz por não estar no desemprego e dócil, com ódio à política, aos sindicatos, à cidadania.
Durante o salazarismo defendia-se que a escolaridade não era absolutamente necessária (reduziu-se a escolaridade para 3 anos e disse-se, em plena Assembleia Nacional, que a alfabetização não era um objectivo, pois se o povo português não sabia ler nos gloriosos tempos e se tinham produzido obras de grande valor literário). Agora, pareceria mal dizer o mesmo (agora todos vão à escola, até queremos elevar a escolaridade obrigatória para os 12 anos). Vamos então levar as nossas crianças à escola, mas que elas nada aprendam. Que isto de formar seres pensantes sempre foi perigoso para este género de poderosos. As piores profecias do Big Brother e do Admirável Mundo Novo não estão assim tão longínquas. Criemos um rebanho estúpido, obediente e cabisbaixo.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

É Abril outra vez

Já é Abril. Não consigo ficar indiferente a Abril. Lembro-me que ele chegou de novo quando vou no meu carro para Colos e vejo as flores que começam a florir; quando me distrai o voo picado de uma andorinha; quando vejo o sorriso das crianças mais pequenas na escola. Lembro sempre é Abril outra vez. Quem dera que voltasse.
Era criança. Talvez que as sensações fossem distorcidas por ser criança, mas lembro um sentimento de vitória nos adultos como nunca mais vi; de esperança; o futuro era nossa pertença e inequívoco; os afagos dos grandes eram mais doces, os seus abraços e beijos carregavam com eles um calor húmido de alegria. Foi euforia. Mas uma euforia de serenidade e deleite.
Herdei Abril em criança, e trago-o dentro de mim, num cantinho do peito. Como um pássaro que tombou do ninho e que recolhi para cuidar, nesta minha esperança infantil que um dia voará de novo.
Quem dera voltasse a sério, e não só assim, revelado nas flores, nas andorinhas e nos sorrisos das crianças. Que despontasse em todos nós como um espasmo colectivo de felicidade. Que voltasse o Abril dos prodígios. Da pureza. Que bom seria se fosse verdadeiramente Abril outra vez, e não só esta saudade de futuro.