Não sou lá muito dado a perder tempo na televisão em canal aberto. Acho um desperdício ocupar uma boa parte da vida que me resta embasbacado a ver aquela supostamenta divertida - mas modorrenta - obtusidade. Mas hoje acabei por ver um concurso da RTP1, o “Não sei mais do que um miúdo de 10 anos”.
Havia um fulano com pronúncia nortenha e postura a dar para o pintas moderno que respondia a questões que aprendemos na escola primária mas que já vivemos o suficiente para esquecer (o que, mais uma vez, dá razão à opinião geral de que aquilo que aprendemos na escola não serve para nada, como se verá adiante). Só sei que esse concorrente se chamava João. Não o vi de início, mas vi o suficiente para o ouvir hesitar na questão “o que leva o sangue carregado de dióxido carbono ao coração?”. Ora a resposta que pareceu óbvia ao João foi “aurículas”, mas o apresentador deu-lhe a entender que… enfim… e ele respondeu então, agora peremptoriamente, “artérias!”. Num esquema que permite os alunos crianças salvar os adultos, lá continuou em jogo… A parte que mais gostei foi quando teve de contar as arestas de um cubo.Ora quantas arestas tem um cubo? Pensou alto e distinguiu as arestas dos vértices, dizendo, e muito bem, que as arestas unem os vértices. Depois contou-as mentalmente, o que deu o complicado número de 22! Não percebi como, mas enfim... Mais uma vez foi salvo porque “copiou” (o que se pode fazer nesta escola da RTP, não é crime nenhum, faz até parte das regras do jogo). Finalmente, acabaria por perder na pergunta “quais os dois planetas do sistema solar que não têm satélites?”. Não me admira que o João não soubesse a resposta, a pergunta não é simples. Mas mesmo assim espantou-me o facto do senhor ao enumerar os planetas do sistema solar se “esquecer” sempre de Mercúrio e Vénus, começando logo pela terra (razão da vaga de calor, certamente). Tudo isto, que aqui narro, aconteceu num espaço de 5 questões (mais uma vez recordo que não vi de início). Enfim, um concorrente que voluntariamente foi à RTP fazer jus de toda a sua ignorância estupidez. Sempre divertido. Estupidez premiada, diga-se, pois ainda assim arrecadou 1500 euros (mais do que eu, professor com 17 anos de serviço, recebo por mês). Vale a pena pavonear despreocupadamente a ignorância e fazer alarido dela. Sempre se tem direito a uns minutos de fama televisiva, o que dará boas conversas lá na terra, e o resto é apenas questão de sorte, pode ser que caiam uns trocados para ajudar o gasoil ou aliviar alguma prestação mais premente.
Recordei-me dos concursos da minha infância, desde logo a “vaca Cornélia”. Aí premiava-se o talento e o conhecimento. Meu Deus, o que aconteceu a este país (e a este mundo)? Divertimo-nos a ver o que os outros não sabem, eles divertem-se a dizer asneiras, a arrecadar uns eurozinhos e tudo sempre com muitas palmas, palmas quando o concorrente entra, palmas quando acerta, palmas quando erra, palmas quando hesita, palmas quando escolhe as ajudas, palmas quando se vai embora, palmas e mais palmas, porreiro,pá!, tudo para nos entusiasmar, ai que estamos a ver um concurso tão interessante, realmente o que nos lembramos da escola, não é?, e aquele tipo está cá com um azar, perguntarem aquelas coisas do sangue e dos cubos (será dos cubos de gelo?) e de planetas e dos satélites, que coisas complicadas, felizmente eu não tive que saber isso que a minha professora não nos chateava com essas coisas, era só saber escrever o nome e pouco mais.
Mas afinal os concursos da TV apenas reproduzem em microcosmos o estado da nossa educação. De nada vale já o saber. Aliás, agora o ensino é por “competências”, pressupondo-se que não é preciso o conhecimento para desenvolver essas competências, como ficou demonstrado há uma semana atrás quando o primeiro-ministro, que não sabia quanto pagavam de imposto os veículos a electricidade, teve competência para negociar com uma grande empresa internacional – a Renault Nissan –, um benefício fiscal altamente favorável. Palavras para quê? È um produto da nova escola portuguesa!