Não sou suficientemente ingénuo para pensar que os eleitores se preocupam com as grandes discussões políticas ou ideológicas antes do voto. Imagino que votem de forma mais tradicional a pensar "estes tipos são uns malandros" até ao dia em que, vendo os anos a passar, deixam de ter a preocupação de se deslocarem à mesa de voto. Claro que haverá os mais calculistas que têm cartão de partido, ou que são pressionados por quem o tenha, ou que estão dependentes de um emprego na câmara ou de alguma licença de construção ou esperançados em verem resolvidos os seus problemas com os esgotos. E este facto explicará porque a abstenção é maior nas europeias e menor nas autárquicas. Mas esses são a minoria e poderíamos chamar-lhes os "cidadãos motivados e interventivos". O resto não quer saber se deve haver mais ou menos mercado, se a regulação funciona bem ou mal, se o Paulo Rangel é bom candidato, sequer o nome do ministro da economia ou de outro qualquer, ou mesmo se o desemprego é 8 ou 10%. E, consequentemente, está-se nas tintas para saber se o Lopes da Mota se deve ou não demitir. Creio igualmente que os partidos não embarcam nessas ingenuidades. O PS ou o PSD sabem muito bem que três quartos dos portugueses não distingue o Lopes da Mota do Vítor Constâncio. Sabem que tudo se joga na propaganda, e nesse particular o PS leva grande vantagem.
Todavia, e apesar destes factos não interessarem aos portugueses, e até se poder argumentar com presunções de inocência até ao transitar em julgado, havia antes uma réstia de princípio na democracia (como convencionou chamar-se a este regime) a que chamarei de "pudor". Podia valer muito poucos votos, mas uma espécie de vergonha perante quem fazia uma asneira destas à Lopes da Mota que fere todos os princípios da ética - até da ética política mais aproximada ao niilismo - que o levava a demitir-se, ou a ser demitido, em vez de andar para aqui a boiar como se nada se passasse. O caso "Lopes da Mota" é apenas mais um do sistema português (o tal que de democracia começa apenas a ter o nome); mas este caso vira uma págiina neste sistema que perde o "pudor" perante a indiferença e o encolher de ombros dos eleitores.
Sócrates diverte-se ao manter o amigo Lopes da Mota no Eurojust e, certamente, ri-se. E esse riso traz verdade ao adjectivo com que os alunos da António Arroyo (manobrados por essa corja que são os professores?) o apelidaram no dia de hoje.
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