domingo, 3 de agosto de 2008

A Arte na província

O político, por natureza, gosta de ser popular. É o seu desígnio. É verdade que na história podemos encontrar políticos que foram generosos e que achavam que a sua ideologia, se levada à prática, contribuía para a melhoria da vida de todos. Mas esses são casos raros e, perdoem-me a desilusão, do passado. O político tem um objectivo: chegar ao poder. Em momentos da história chegava-se ao poder pela força ou pela intriga. Hoje, e por enquanto, chega-se ao poder pela popularidade expressa através do voto. E uma vez chegados ao poder, os políticos gostam de lá permanecer. E de deixar obra. A nossa história recente está cheia de casos destes, mais ou menos disfarçados, nem é preciso lembrá-los ou olhar para os presentes. E eu acrescento vários na política de província: no autarca das rotundas ou das megaobras, no presidente do conselho directivo que deixa orgulhosa obra na portaria ou no pátio sua escola. É a sua forma de combater a mortalidade: a obra.
Neste combate pelo deixar obra o político cruza-se com o artista. O artista também quer deixar obra. Se bem que para o “verdadeiro artista”, é a obra e não ele que deverá permanecer imortal. De qualquer modo os objectivos assemelham-se: é a rebelião humana contra a mortalidade.
Mas o político e o artista cruzam-se ainda noutro aspecto ligado à obra, que é o mecenato que o político gosta de exercer. O mecenato torna-o popular. Apoiar os artistas dá-lhe uma dimensão intelectual (o político tem de parecer intelectual) e contribui para a sua popularidade ao espalhar pelas cidades esculturas ou polémicas obras de arquitectura (o político adora as polémicas, a polémica trá-lo para a ribalta). Contudo existe um momento perigoso para o político: o momento em que o artista ofusca em popularidade o político e o político fica com ciúmes. Acredito até que em muitos casos isso aconteça de forma inconsciente. A história do mecenato italiano do Renascimento é um caso evidente desse perigo e que atormenta qualquer político que a estude (não sou assim tão pessimista e acredito que ainda haverá alguns políticos que conhecem um pouco de história). Esta situação é ainda mais evidente na política de província: é fácil um artista local suplantar em popularidade o presidente da câmara. Por isso a arte e a cultura encontram dificuldade em florescer na província. Além disso há um outro fenómeno bem conhecido do político e em relação ao qual ele se tem que precaver: o artista é, por definição, um livre-pensador. E, como tal, gosta de fazer como o cão que morde a mão de quem lhe dá de comer. Por isso, o natural casamento entre o artista e o político é um casamento que, muitas vezes, acaba mal. Culpa dos ciúmes, como em tantos outros casamentos.

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