segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Recordações do ciclo preparatório.

Hoje foi o primeiro dia de aulas da minha filha como aluna do 5º ano. Mudou, pois, de escola e de sistema. Terá sido um dia importate na sua carreira de aluna.
Evoco - ando muito evocativo, deve ser do Outono -, os tempos em que também eu passei para o 2º ciclo. Na altura dizia-se 1º ano do Ciclo Preparatório. Estávamos em Outubro de 1975, porque então as aulas começavam em Outubro e não em Setembro, como agora. E no início do ano lectivo a maioria dos professores ainda não tinham sido colocados. Havia, por isso, muitos “furos”, mas nós preferíamos o nome menos contaminado de “feriados”. E quando tínhamos feriado não havia aulas de substituição. Lá ficávamos nós perante os perigos das crianças sozinhas e entregues a si próprias: jogávamos futebol, brincávamos as escondidas, a apanhada, ao mata, jogávamos ao berlinde (fiquei sem nenhum: perdi-os todos ao perde-paga) saíamos livremente da escola sem o ocultar a ninguém e íamos comprar rebuçados, chocolates, bolos atascados em creme e outras porcarias a uma vendedora ambulante (Dona Adélia?) ou a um café estilo tasca que ficava ali perto (hoje a ASAE já o teria fechado, tal como a Associação de Pais teria expulso a Dona Adélia); alguns de nós bebiam uma laranjada, uma gasosa, um fruto real; partilhávamos as bebidas com os colegas e amigos; confesso mesmo que, pela calada, chegámos a comprar um maço de tabaco (marca Ritz) entre todos os rapazes da turma e fumámos o maço durante um feriado (era sempre a despachar, ninguém queria levar o maço de tabaco para casa). Os feriados eram tantos que tivemos que inventar histórias e brincávamos as Revoluções (havia o MFA e os fascistas, eu fazia de almirante Rosa Coutinho pois nessa altura queria ser marinheiro), as guerras (que eram os alemães contra os aliados, eu gostava de fazer de um capitão que estava preso dos alemães e cujo nome começava por K, não me lembro agora, era uma série que dava a noite), aos jogos de mímica (havia um concurso na TV de mímica), mais tarde a vaca Cornélia, realizámos eleições e manifestações. Tudo na brincadeira. Alguns dos mais velhos de nós já se atiçavam nas brincadeiras com as moças (era uma experiência nova, a minha escola primária tinha sido só de meninos); também frequentávamos a Biblioteca onde líamos livros dos cinco e dos sete (e outras coisas, lembro-me que no meu segundo ano do ciclo fui lendo, inteirinho, o Ivanhoe do Walter Scott na biblioteca do meu ciclo). Cresci e aprendi muito com os meus amigos nesses feriados. Fui-me moldando naquilo que sou hoje. Nos feriados e nas aulas, que me lembro muito bem de algumas das aulas que tive no ciclo. Lembro-me de uma aula de Português do 1º ano (actual 5º) onde analisámos o Guernica; uma outra onde escutámos o “operário em construção” (no 2º); das aulas de Estudos Sociais, das de Músca (a professora era muito disciplinadora, a Carlota), de fazer BD em Desenho, de como adorei a esmirna em trabalhos manuais. Mas, repito: fui moldado pelas aulas e pelos feriados. Estes ensinaram-me a ser solidário, a aceitar a derrota, a fazer amigos e companheiros; estimularam-me a imaginação; ajudaram-me a descarregar a minha energia e fantasia de criança.
Penso na minha filha. Ela já não terá os meus feriados. Cada falta, uma aula de substituição. Saberão que sou professor e poderão pensar: “O gajo está para aqui com esta conversa mas não quer é fazer aulas de substituição; não quer trabalhar que é o que os professores antigamente não faziam, sempre a faltar, com montes de férias. Esta ministra é que os pôs na ordem!” (outros julgar-me-ão apenas um bacoco saudosista). Acreditem-me que não é esse o meu fito. Acredito sinceramente que as crianças precisam de liberdade, que devem estar juntas sem adultos por perto, perante os perigos de ficarem entregues a si mesmas. Acho até que é na falta dos feriados que reside uma porção da explicação do seu comportamento ter +piorado tanto nos últimos anos. As crianças de hoje não sabem estar sozinhas, não sabem o que fazer se não receberem ordens ou conselhos em algum sentido. Transformar-se-ão em adultos obedientes e não-pensantes, seres amorfos dispostos a receber ordens. E aí estarão, finalmente, atingidos os objectivos desta política educativa.

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente.
Há até uma tese acerca deste tema:

http://diario.iol.pt/sociedade/aulas-escola-ensino-aulas-de-substituicao/988521-4071.html

Anónimo disse...

É verdade, esqueci-me de assinar.
Olinda

Anónimo disse...

Não é saudosismo,mas uma análise muito séria da situação.Durante os 36 anos que leccionei,nunca foi necessário haver aulas de substituição.Substituição sim,mas apenas quando o professor faltava seguidamente.Deixem os alunos gozar os "furos" e aprender a viver,conviver e crescer de uma maneira feliz.Estou,portanto completamente de acordo.Luz