sábado, 12 de abril de 2008

A propósito da educação

É notícia hoje a suposta cedência da ministra aos sindicatos ou, segundo afirmações da dita, o “entendimento”. É evidente que os sindicatos gostam de cantar vitória, mas também o é que o “entendimento” mostra que a ministra, afinal, pertence ao género humano e até possui sentimentos solidários e piedosos como qualquer bom cristão. E calha bem fingir uma “derrota” mascarada de “entendimento” quando estamos a um ano das eleições e o país se lamenta com a recente descoberta de que os seus professores estão sujeitos a violência e outras sevícias diversas, coitadinhos.
Não me vou deter na questão pontual do acordo ou do entendimento. Parece-me evidente que nunca houve condições para se fazer uma avaliação apressada este ano (só a ministra pensa que basta publicar em Diário da República e diga "faça-se", para que o rebanho o faça, é natural, é a matéria de que a senhora é feita). Mas o processo está inquinado desde o início e a avaliação a partir do próximo ano revelar-se-á uma desgraça (acreditem que gostaria de não ter razão). Quando isso acontecer, nova derrota para os sindicatos pois mais uma vez os professores não se reverão nas suas organizações e condená-las-ão pelo acordo assinado.
O principal problema não radica (apenas) na avaliação dos professores. Outros diplomas legais vieram a lume e são um atentado à educação. Na verdade, a educação pública foi parcialmente destruída nos últimos anos. Não começou com esta ministra. Os primeiros golpes foram desferidos pelo ministro David Justino, pressionado pelos amigos do privado a estrangular as escolas do Estado. Mas um problema de consciência provocou lentidão no projecto e a acção do presidente da República tirou-lhe o resto do tempo disponível. Eis então que chega a despachadinha Maria de Lurdes Rodrigues toda cheia de ímpeto reformista, agora é que é, e, aliada à postura de déspota iluminado do século XXI do primeiro-ministro, leva o trabalho a bom termo com o beneplácito de jornalistas, comentadores e demais fazedores de opinião que só perceberam o que se passou... quando passou. Enfim, um passaporte de coelho.
Temo que tudo esteja irremediavelmente perdido. É verdade que os professores se uniram. Mas sinto, e vejo à minha volta, uma grande dose de pessimismo e de falta de vontade. Mais notório ainda nos professores que tradicionalmente eram activos e empreendedores, que dirigiam clubes, realizavam visitas de estudo e outras actividades extra-curriculares. Agora fala-se em reforma, procura de novos empregos. À raiva contra as políticas emanadas da 24 de Julho (e sabe-se lá de que mais recônditos locais veio a inspiração para estas reformas) sucedeu a tristeza. As salas de professores são agora locais macambúzios ocupados por funcionários carrancudos e silenciosos (ou murmurando lamentosos solilóquios) a tratar da papelada. Conseguiu-se trazer o mau ambiente das piores empresas para as escolas. Um feito!
Pode ser que haja acordo entre a ministra e os sindicatos, mas o mal já está feito. Sabe-se como é difícil chumbar o ano. Os docentes evitam dizê-lo alto para que os seus alunos não se apercebam, mas estes acabarão por saber que podem faltar à vontade que isso só aumentará a carga burocrática dos professores (a quem tenha dúvidas, favor consultar o Estatuto do aluno, lei 3/2208, de 18 de Janeiro, artigos 21º e 22º). Todos passam: os que trabalham, os que nada fazem, os que faltam, os que vão à escola, os calados e os ruidosos, os que querem aprender e os que cospem o chão que o professor pisa. Tudo vale na escola pública a partir de agora. A escola está a deixar de ser um local onde se transmite conhecimentos para ser um depósito de crianças enquanto os pais vão para o trabalho (ou ruminam em casa nas suas horas de desemprego). A ideia da escola democrática terminou. Doravante a escola seguirá os interesses das autarquias e dos partidos do poder local (veja-se a preconizada nova gestão). A escola não serve mais para formar cidadãos (ai que perigoso!), quando muito para criar alguns técnicos um pouco mais qualificados. Que não técnicos superiores, entenda-se, pois a palavra técnicos apenas disfarça a conotação libertária de “operário”. O melhor que a escola pode fazer agora, e é esse o supremo desejo de Sócrates & Rodrigues, é ajudar a economia do país com mão-de-obra minimamente (mas apenas minimamente) qualificada, feliz por não estar no desemprego e dócil, com ódio à política, aos sindicatos, à cidadania.
Durante o salazarismo defendia-se que a escolaridade não era absolutamente necessária (reduziu-se a escolaridade para 3 anos e disse-se, em plena Assembleia Nacional, que a alfabetização não era um objectivo, pois se o povo português não sabia ler nos gloriosos tempos e se tinham produzido obras de grande valor literário). Agora, pareceria mal dizer o mesmo (agora todos vão à escola, até queremos elevar a escolaridade obrigatória para os 12 anos). Vamos então levar as nossas crianças à escola, mas que elas nada aprendam. Que isto de formar seres pensantes sempre foi perigoso para este género de poderosos. As piores profecias do Big Brother e do Admirável Mundo Novo não estão assim tão longínquas. Criemos um rebanho estúpido, obediente e cabisbaixo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabes que concordo inteiramente contigo, mas não quero, a bem da minha saúde mental(a das cabeças pensantes deste país já teve melhores dias!), baixar os braços. Creio que, muito ou pouco, este "acordo/entendimento" (sempre gostei destes estimulantes jogos de linguagem), só foi possível devido à gigantesca manifestação de 8 de Março que, apesar de não ter estado presente, me deixou muito contente. Senti que, finalmente, os professores conseguiram chegar a um entendimento (ou deverei dizer acordo?) nunca antes alcançado. São migalhas? Talvez. Para mim é inegável que a ministra recuou, quer ela o assuma, quer não!
Sinto, por outro lado, que alguma coisa está a mudar. Começou a ser mais frequente ver as pessoas juntarem-se e exigirem, reclamarem, na rua, direitos essenciais que este governo, que dizem ser socialista(!), tem vindo a desbaratar.
Para finalizar, digo-te apenas que, se alguma determinação tenho, é a de que seja qual for o regime de avaliação, recuso-me a criar um rebanho estúpido, obediente e cabisbaixo. Quem quiser, junte a sua à nossa voz!