terça-feira, 20 de maio de 2008

Leituras: On Chesil Beach


Na minha recente viagem a Londres descobri, já no aeroporto, que me tinha esquecido do livro que andava a ler. Estava em Faro e as escolhas não eram muitas, mas o avião ainda tardava (que estas esperas pós check-in são sempre uma seca) e durante a viagem precisaria de me distrair para ajudar a passar o tempo (claro que vou de low-cost) e lá fui às compras. Costumo aproveitar estas surtidas para adquirir uns livrinhos em inglês ou castelhano para exercitar a língua e, ainda para mais a dirigir-me para a capital do velho império, a escolha mais óbvia seria certamente a literatura de língua inglesa.
Como referi atrás as opções não eram muitas. A livraria do aeroporto estava cheia daqueles livros grossos de literatura barata ao gosto dos ingleses (admira-me sempre como este povo consome tanta literatura de qualidade duvidosa, mas, digo eu, ao menos lá vai consumindo literatura), e a escolha afunilou para este “on Chesil beach”. Já tinha lido Ian McEwan num livro de contos – "Primeiro amor, últimos ritos" – e não tinha ficado com grande impressão do senhor. Lia-se. Mas não era nada de extraordinário. Felizmente que as circunstâncias da viagem me vieram repor no bom caminho.
A ideia com que tinha ficado do tal livro de contos era a de um autor com uma excepcional falta de humor. Excessivamente frio, a dar para o negro. Confesso que esse tipo de literatura hoje muito em voga me vai cansando. Escreve-se a metro e de forma atormentada (penso que os psiquiatras devem aconselhar as mentes mais atormentadas a escrever e elas lá vão produzindo para nosso tormento também). Como Kafkas dos novos tempos, mas obviamente Kafkas menores a que falta o talento. Nenhuma destas observações é válida para on Chesil beach.
On Chesil beach está construído em torno de uma noite de núpcias que tem lugar em 1961 entre um casal virgem. Nas páginas do livro vai-se reconstituindo a história dos jovens ingleses do pós-guerra. E a década de sessenta que se vai iniciar sempre presente (há a ela muitas referências de Ian McEwan, a mim souberam-me bem as descrições do Soho por onde passei nesses dias). Mas não se trata de um quadro de um momento histórico. É muito mais do que isso: as relações humanas (que já estavam presentes no outro livro de contos, mas agora não são meras relações conjugais, são verdadeiras relações humanas), as escolhas, o próprio sentido da vida. Sem moralismos sem pretensiosismos. E tudo com uma invulgar economia de palavras (o livro, nesta versão inglesa, de letra miúda mas formato de bolso, tem 180 páginas). Um livro muito bom que estabelece um contacto contínuo com o leitor e que comprova a máxima de Umberto Eco que afirmou “a literatura é uma máquina preguiçosa que deixa parte do trabalho ao leitor”. Certo que despertará pensamentos e emoções diferentes em qualquer um de nós. Aconselho-o sinceramente. É do melhor que tenho lido e, certamente, um dos melhores livros dos últimos anos, pois é de 2007 (embora a crítica aprecie mais os calhamaços). Numa pesquisa pela net descobri que há uma versão portuguesa naturalmente intitulada “Na praia de Chesil”, da gradiva. Não sei se a tradução é boa ou não. Todavia a capa da versão lusa, sem ser nada de especial, sempre é melhor do que a foleirice desta versão da vintage (e que pode induzir o incauto que vai ler outro tipo de história). É que nem todos podem ter o privilégio de terem capas do Gonçalo Codeixa.

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