quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ireland

Queria ter escrito neste telhado na passada sexta-feira, 13. Foi para mim um dia feliz. Fazia a minha viagem diária de 42Km em direcção ao local de trabalho (como o Alentejo é grande) quando tive a confirmação pela rádio do que se suspeitava, já que se percebia que os serviços informativos andavam embaraçados: o “não” tinha ganho no referendo irlandês. Não contive a minha felicidade e gritei de alegria, e cantei, e só não dancei porque lá ia conduzindo campos fora. Mas parei na primeira clareira e respirei fundo o perfume das flores. E entrou-me pelas narinas o cheiro das primaveras passadas. De Abril, de Maio, de Praga. Afinal ainda havia democracia e bom senso (“Democracia e bom-senso”, nome interessante para um filme de tempos passados e vindouros) numa parte da nossa nação Europa. Mas os afazeres burocráticos de trabalho - e outros pessoais que entretanto se juntaram -, complicaram o meu acesso ao telhado do Gato Esteves até hoje. E faz amanhã uma semana que foi o referendo.

Acredito na força de uma Europa. De uma Europa de valores, de Democracia, herdeira do Iluminismo na busca da felicidade dos homens. Numa Europa inequivocamente solidária e que parta à conquista do sonho. Não de uma Europa a qualquer preço. Não de uma Europa refém do grupo de Bilderberg e dos interesses da grande máfia mundial, seguidista do neoliberalismo desenfreado. E era essa a Europa que foi a referendo. Não chorem os comentadores do costume, os modernos mediáticos e os menos mediáticos. Não proclamem a sua demagogia a dizer que os irlandeses chumbaram a Europa, como uma espécie de desmancha-prazeres e ignorantes que estavam a votar outras coisas quaisquer lá do governo deles e nós, europeus, é que acabámos por apanhar com o azar destes fatalismos da democracia, sabe lá o povo no que vota, os irlandeses ainda por cima. É que ninguém disse não à Europa. O que foi chumbado foi uma ideia de Europa, que nem de Europa é ideia. O que foi chumbado foi uma ideia de mundo de liberalismo selvagem. Já todos vimos para onde esse mundo nos leva. E os irlandeses disseram não. Como por toda a Europa se está a dizer não. Os irlandeses disseram-no nas urnas, outros dizem-no nas ruas. Porque vêm aí tempos de luta, agora não mais os podemos deixar passar. Os que agora mandam vão arranjar maneira de emendar a mão. Vão ter que dar a volta por cima, para eles, haja ou não eleições. Irão escrever outra coisa qualquer para se perpetuarem e não ir a eleições, ou então sair-se mais airosamente com um qualquer coelho que deve estar lá ao fundo da cartola, estão quase a encontrá-lo. Mas entretanto o tempo passa. E tudo temos de fazer para o tempo ficar do nosso lado.
Para já, fiquei com este desejo de voltar a pisar terras irlandesas. Entrar num pub, ouvir uma música celta, e brindar ao futuro da Europa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Cada vez gosto mais dos teus textos e como tenho alguns genes comuns aos dos irlandeses...


Olinda