segunda-feira, 13 de outubro de 2008

"Certificação e Qualificação"

Posso saber, através de uma ferramenta do google - o google analytics - algumas informações sobre as vistas do meu blogue. Foi dessa forma que descobri que tive onze visitas nos últimos dois meses em buscas do google com a expressão "diferenças entre certificação e qualificação" ou, simplesmente, "certificação e qualificação". Hoje, em conversa com um colega, lembrei-me de uma história - e de um acontecimento presente -, que ilustram bem essa diferença. Fica então aqui a história verídica para futuras investigações sobre o tema (já que o google aponta este modesto blogue nessas buscas) ou para reflexão dos leitores habituais:
Há alguns anos -penso mesmo que antes desta ofensiva da ASAE - houve uma inspecção no tasco que é hoje o "snack-bar da Julinha" e que fica por baixo daquele que foi um dia o telhado do Gato Esteves. Não me lembro do nome que tinha na altura. Mas sei que aqui cozinhava uma senhora com excelente mão para o petisco: a Dona Palmira. Não era muito velha, a Dona Palmira. Talvez um pouco mais velha do que eu, o que quer dizer que, nos dias de hoje, não deve ainda chegar aos cinquenta. Acontece que esta senhora, devido a contingências da vida, não tinha estudado. Nascera aqui perto de São Teotónio, lá para a serra, e nunca havia ido à escola. Portanto não sabia ler. Ora nessa inspecção de trabalho descobriu-se este pormenor da vida da senhora. Tratou-se de um pormenor importante e que levou ao seu despedimento: na cozinha não podia trabalhar quem não soubesse ler. Compreende-se: tem que lidar com ingredientes vários e datas de validade, é uma questão de saúde dos fregueses, paciência. Custou-me sabê-lo e lamentei mais uma vez a vida que nunca sorriu à Dona Palmira. A senhora teve de regressar à sua terrinha e mergulhar numa difícil agricultura de subsistência (descobri há pouco que ela vende uma galinhas e ovos caseiros pela calada a um sítio que não digo o nome em público). A sua substituta foi uma rapariga mais nova que abusava do sal - maltratando assim a tensão da clientela -, e tinha muita pressa em terminar os petiscos, o que desafiava as boas práticas do bem passado e, sobretudo, da comidinha bem apurada (suspeito que foi esta troca de cozinheira que levou ao trespasse do estabelecimento pouco tempo depois). Mas apesar do meu lamento pelo que sucedeu à boa Dona Palmira, compreendi a situação. Quem não sabe ler não possui qualificação para desempenhar a função de cozinheira. Não tinha certificado de escola primária, não sabia de facto ler, logo não era qualificada para aquele lugar público.
Na minha conversa de hoje com um colega, soube que há neste momentos alunos do 5º, do 6º e do 7º ano que são não-leitores. Ou seja, alunos que já fizeram mais do que a 4ª classe e que não sabem ler; que não descodificam o que aquilo quer dizer, ou que, simplesmente, não conseguem ler. No actual estado do ensino (as dificuldades pedagógicas, o não reprovar mais de uma vez por ciclo, etc.) vão suceder mais situações deste género num futuro próximo. Ou seja: teremos indivíduos que possuem certificados de escolaridade que dizem que sabem ler, mas na verdade não têm essa qualificação. E então será vê-los a trabalhar onde quer que seja, até numa cozinha do snack-bar da Julinha (esperemos que aqui não, vão lá para o Tavares Rico ou para o restaurante frequentado por uma sinistra pessoa) a mexer em latas e embalagens de ingredientes que só conhecem pela cor (estou em crer que a Dona Palmira os conhecia pelo cheiro) e dos quais não conseguem ver a data de validade.
É o triunfo estatístico na educação.

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