domingo, 30 de novembro de 2008

A escola corporativa

Muito se tem chamado “corporativos”, entre outros epítetos mais feios, aos professores. Muitos supostos especialistas e jornalistas dizem que é uma classe particularmente unida sempre pronta a resistir às boas intenções ministeriais (inclusive alguns ministros, como Marçal Grilo – que eu cheguei a ter por pessoa inteligente – falaram deste problema corporativo). E logo os relacionam com o que de pior tem o português: trabalhador pouco produtivo, dado à preguiça e dotado de duvidoso valor moral (lembra-me alguém que na minha infância falava assim dos “pretos”), párias do sistema, espécie de agremiação de chulos que não fazem nenhum e ganham balúrdios. E porque a cambada está bem é que estão unidinhos que é para continuarem a mamar como até aqui. Julgo que Maria de Lurdes Rodrigues comungará desta ideia acerca dos seus tutelados, se bem que temperada com uma linguagem mais moderna e menos vernácula.
E decidiu ser a heroína que vai pôr termo à situação.
Mas a classe docente é muito diversa e sempre esteve longe de ser corporativa. Atente-se nos números de adesão a greves nos últimos anos (sempre a descer até valores extremamente baixos antes do consulado Milú) ou nas manifestações que antes eram pouco participadas. Qualquer um que conheça a escola pública, qualquer pai que tenha seguido a carreira escolar dos seus filhos se terá deparado com um leque extraordinariamente heterogéneo de professores. Nas escolas sempre houve os incansáveis e os que pouco mais do que nada ainda fazem. Os que organizavam, ocupando tempo fora do seu horário, exposições, visitas de estudo, projectos de investigação, iniciativas abertas à escola e à comunidade, que substituíram – e quantas vezes! – os encarregados de educação na sua dádiva de afecto, que resolveram problemas de faltas materiais, que providenciaram soluções para a fome dos seus alunos, que descobriram, denunciaram e, tantas vezes, tiveram que ser eles os principais envolvidos na solução dos casos das vítimas de agressão, abandono, abuso. O papel da escola neste mundo cão em que o país (talvez o mundo) se foi transformando é o de ser quase o último guardião da decência e do humanismo. E será esse um dos problemas do governo: neste novo mundo socratino da deslocalização, da flexibilização, da precariedade, dos grandes horários de trabalho, acaba por cair sobre os professores a tarefa humanista de quem não esqueceu o que é ser criança.
Mas também é verdade que nem todos os professores têm vindo a desempenhar o trabalho como referido no parágrafo anterior. Há aqueles que dão as suas aulinhas –uns melhor e outros um pouco pior -, que vão fazendo os seus testes, cumprindo as suas obrigaçõezinhas burocráticas com afinco e aprumo, enfim, professores que não sendo dotados de grande vocação também não falham no que lhes é pedido. Uns são mais simpáticos, outros muito exigentes, outros assim-assim. E também as nódoas. Claro que as há. Há os que nada fazem a não ser pouco mais que figura de corpo presente nas aulas, que ditam os mesmos apontamentos que há vinte anos, não são capazes de elaborar uma acta, que não conseguem controlar a indisciplina. E a estes, porque são incompetentes, cai geralmente a menor fatia do trabalho comum, e passeiam-se todos lampeiros e despreocupados pelos corredores das escolas. Ainda os há, é certo. Mas devo dizer que ao longo da minha carreira de professor tenho visto uma clara diminuição da sua percentagem. Já desapareceram (ou quase, estou a lembrar-me de um caso que ainda dura), aqueles que estão no ensino como um prolongamento da sua actividade de engenheiro, explicador, advogado ou outra e que para isto não tinham jeitinho nenhum. Já não há os que estão na escola a tapar buracos da falta de professores como acontecia há anos atrás, contrariados por aturarem “putos” em vez de terem outro trabalho mais bem remunerado, com mais estatuto social, menos exigente, menos perigoso.
Ora é verdade que o sistema de avaliação anterior (1) não distinguia os melhores dos piores, ou, pelo menos, não o fazia de forma clara. Mas também é verdade que este não o faz. E se não o faz não serve para nada. Mais: este sistema cria uma nova divisão, decorrente do Estatuto da Carreira Docente, entre professores titulares e simples professores (espécie de badamecos) que tem na sua origem um erro fatal, já que a divisão artificial porá, pôs, como titulares não os melhores, mas aqueles que uma escolha arbitrária decorrente de uns critérios escolhidos pelos humores ministeriais decidiu. E aí começou o sistema de avaliação dar bronca, nascendo torto. Lembro a célebre frase da ministra: “na tropa nem todos chegam a generais”. É verdade, minha senhora. Mas a escola não é a tropa. A tropa tem de estar pronta para situações limite, a cadeia hierárquica é um dos seus pilares que tem que funcionar sem qualquer falha numa situação desse tipo, concordará que semelhante necessidade não se aplica à escola. Que não estaremos interessados em viver numa sociedade que reflicta este regime hierárquico em todas as suas dimensões. E na tropa, suponho eu, a progressão deverá ser, de facto, feita com base no mérito e qualidades de cada um. Uma tropa cuja hierrarquização fosse idealizada pela senhora, estaria condenada ao massacre imediato.
E também lembro a frase tantas vezes repetida que em todas as empresas os profissionais são avaliados. Pois é verdade, minha senhora, mas a escola também não é bem uma empresa, embora a senhora queira fazer dela uma empresa, traduzida em resultados artificiais de aprovações fictícias, como se uma empresa de falcatrua se tratasse, uma daquelas que inventa produtos e vendas e lucros. Porque se esta avaliação fosse aplicada numa empresa, a empresa ruiria em pouco tempo. Não é possível que uma empresa, ou uma qualquer organização, pudesse gastar tanto tempo e energia na sua auto-avaliação. E é isso que está a acontecer, minha senhora: estamos a perder demasiado tempo com tudo isto, estamos a consumir-nos e não a ensinar. Já percebi, já percebemos, que o ensinar não tem assim tanta importância para si, o que a senhora quer não é que os professores ensinem, é que os professores aprovem os seus alunos, é esse o seu sucesso, sucesso medido nas estatísticas de certificação. A escola, minha senhora, não é uma fábrica onde entra um porquinho e sai uma salsichinha; onde entra uma qualquer matéria-prima e sai um profissional de mão-de-obra barata suficientemente estúpido e dócil para não pôr em causa o poder dos poderosos. A escola para mim continuará a ser a chave do futuro, onde entram crianças e são formados cidadãos (que, idealmente, nunca deixarão de ser crianças sonhadoras).
E é esta última a razão principal que nos coloca hoje nas trincheiras adversárias (para usar linguagem castrense que a senhora parece apreciar): é que eu sou pela Escola; a Escola Pública formadora de cidadãos capazes de impedir gente com tiques fascistas de voltar ao poder.

(1) porque havia sistema de avaliação anterior, é mentira quando o primeiro-ministro ou a senhora ministra dizem que não havia avaliação. Eu próprio pertenci a equipas de avaliação do Conselho pedagógico responsáveis pela avaliação de colegas. E nesse âmbito posso dizer que não é verdade que todos subiam de escalão. Alguns houve que não conseguiram, fosse por falta de formação – que era então obrigatória -, fosse por incongruências no seu relatório, fosse por incumprimento de prazos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Acabo de ouvir a senhora ministra na TV. Não duvido que a senhora conseguiu fazer passar uma imagem de trabalho e determinação, de quem sabe o que faz. Nisto ela é muito boa: no fingimento.
Notei-lhe algumas melhoras: disfarça mais a arrogância, consegue evitar dizer que a culpa disto tudo é dos professores (embora na conferência da tarde não o tenha conseguido fazer ao dizer que os professores é que não tinham sabido fazer os objectivos relacionados com a melhoria dos resultados escolares). Neste ponto estava bem instruída e terá sido bem treinada.
Mas naquilo que me interessa está na mesma. A ministra continua a mentir com o seu ar cândido, diz que não disse o que todos ouviram, está convencida que tem razão, quer manter este sistema para sempre, o que é mais contestado adia para o próximo ano, depois se verá, estará então (ou pelo menos está convencida disso) em início de nova legislatura. Quer parecer que ouviu as críticas (disse que as ouve sempre) e que mudou alguma coisa. Não dá para perceber se mudou muito ou pouco. É que este modelo está mais do que inquinado e tem de se fazer tábua rasa dele. Não tenho confiança nesta ministra. E acho que a quase totalidade dos professores concordará neste aspecto comigo. Nada do que ela faça poderá recuperar a sua credibilidade, pois tem atrás de si uma legislatura de ódio e destruição.
E não percebo porque é que a ministra, sabendo que hoje ia produzir estas alterações, me deu ontem as ordens ilegais para eu colocar os meus objectivos online. Não faz sentido. Por isso pergunto: a decisão da mudança apareceu só hoje? Foi-lhe ditada por algum colega do conselho de ministros? Como reagirá o Albino a esta mudança?
Fiquei também a saber que afinal o conselho de escolas não pediu a suspensão da avaliação, que existe apenas uma escola no país todo com a avaliação suspensa, que eu afinal não a ouvi dizer que a manifestação de 8 de Novembro foi uma chantagem e intimidação (preciso de consultar um psiquiatra, estou com graves alucinações auditivas), que as escolas têm trabalhado muito bem na aplicação da avaliação, e mais um chorrilho de existências nas escolas que eu desconhecia por completo. Afinal o que se diz na net e na comunicação social é quase tudo mentira. Afinal a líder da oposição tinha razão quando dizia que não pode ser a comunicação social a seleccionar as notícias. É que eles são muito mentirosos. Ou então exagerados.
E, no final, se bem entendi as palavras da ministra, deve haver novamente serviços mínimos se houver greve às avalições. Já existiu uma greve deste género há anos. mas então os tempos eram outros. Eram tempos de democracia. Agora as greves funcionam assim: se for para o Estado não pagar, podemos fazer; se prejudicar, não podemos, há serviços mínimos. E também aqui parece que já estamos na tal suspensão da democracia que a outra falava...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Intolerável

Isto ultrapassou todos os limites do razoável, do bom senso, do respeito pelo próximo. Hoje mesmo recebi um email da DGRHE (Direcção Geral dos Recursos Humanos de Educação) a pedir que coloque online, numa página do Ministério, os meus objectivos.

(Mais um pedido ilegal pois o Estatuto da Carreira Docente reza, no seu artigo 49º "1 - Sem prejuízo das regras de publicidade previstas no presente Estatuto, o processo de avaliação tem carácter confidencial, devendo os instrumentos de avaliação de cada docente ser arquivados no respectivo processo individual.2 - Todos os intervenientes no processo, à excepção do avaliado, ficam obrigados ao dever de sigilo sobre a matéria." Acrescenta-se a lei 15/2007, artigo 49º, "Garantias do processo de avaliação do desempenho" 1—Sem prejuízo das regras de publicidade previstas no presente Estatuto, o processo de avaliação 512 Diário da República, 1.a série—N.o 14—19 de Janeiro de 2007 tem carácter confidencial, devendo os instrumentos de avaliação de cada docente ser arquivados no respectivo processo individual.2—Todos os intervenientes no processo, à excepção do avaliado, ficam obrigados ao dever de sigilo sobre a matéria.)

É o Ministério armado em Big Brother com esta medida para saber, por via ilegal e de carácter fascista, quem são os prevaricadores que não apresentam objectivos. Penso que bastaria perguntar às escolas como vai por lá a avaliação, mas aí teriam respostas que não poderiam contestar. Assim, prefere-se a técnica de estimular no próximo o seu lado pior: tomem lá, preencham os objectivos online que ninguém vê.
Esta ministra, supostamente da educação, é o que de mais reprovável existe, eticamente falando. Apenas a move o ódio e a vontade de destruir a escola. Em toda esta legislatura Maria de Lurdes Rodrigues precipitou o fim da escola enquanto formadora de cidadãos sob a capa da grande reformista para a escola do futuro: a da estatística e a certificadora de mão-de-obra barata. Sempre com a conivência dos mais altos interesses instalados. Sem olhar a meios, mas resguardando as aparências democráticas. Fomos assim assistindo, fria e sistematicamente, à tentativa de liquidação do ensino. Não é exagero, é a crua verdade.
Que não restem dúvidas: quem está no poder não é gente de bem, nem de mais ou menos; não são apenas chicos espertos tocados pelo bichinho da ambição que se querem safar a eles e aos boys amiguinhos, são verdadeiros mafiosos de tudo capazes para destruir o que ainda lhes pode fazer frente, por menor que possa ser a sua força: a escola, a formação, a cidadania. Que não restem dúvidas que esta gente será capaz de todos os métodos - já se percebeu que não hesitam em fazer sentir a sua prepotência, mesmo que para isso ultrapassem a própria lei que impuseram- para perseguir quem se lhes opõe.
Mas não podemos ter medo, pois repentinamente a nossa luta já não é só e apenas a luta dos professores, é a luta da razão e do humanismo contra uma arrogância autoritária que lembra o pior que por aqui passou e faz temer um futuro de pesadelo orwelliano.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

o célebre despacho

Não queria ser aborrecido com estas questões legislativas. Bem sei que é apenas um excerto da lei, mas é o que diz respeito ao estatuto dos alunos – lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro, publicado na 1ª série.:
"Artigo 22.º
Efeitos das faltas
1 — Verificada a existência de faltas dos alunos, a
escola pode promover a aplicação da medida ou medidas
correctivas previstas no artigo 26.º que se mostrem
adequadas, considerando igualmente o que estiver contemplado
no regulamento interno.
2 — Sempre que um aluno, independentemente da
natureza das faltas
, atinja um número total de faltas
correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino
básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por
disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino
secundário e no ensino recorrente, ou, tratando -se,
exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas
no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos
lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas
no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina
ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite,
competindo ao conselho pedagógico fixar os termos
dessa realização.
3 — Quando o aluno não obtém aprovação na prova
referida no número anterior, o conselho de turma pondera
a justificação ou injustificação das faltas dadas, o
período lectivo e o momento em que a realização da
prova ocorreu e, sendo o caso, os resultados obtidos nas
restantes disciplinas, podendo determinar:
a) O cumprimento de um plano de acompanhamento
especial e a consequente realização de uma nova
prova;
b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaridade
obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual
consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no
mesmo ano de escolaridade que frequenta;
c) A exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade
obrigatória, a qual consiste na impossibilidade
de esse aluno frequentar, até ao final do ano lectivo em
curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais
não obteve aprovação na referida prova.
Ora esta lei nunca faz diferenciação, em termos da realização de prova, dos alunos com faltas justificadas e injustificadas. Claro que está mal feita, claro que é uma aberração, claro que os alunos tinham todo o direito em ccontestá-la. Ela foi, aliás, objecto da contestação dos professores, em paritcular no que a esta não diferenciação de faltas justificadas e injustificadas diz respeito. A sua revogação é, pois, uma boa notícia. E foi isso o que a ministra quis fazer hoje, ao aperceber-se da estupidez desta lei. Assim, por despacho, considerou que :
(…)
Das faltas justificadas, designadamente por doença, não pode decorrer a aplicação de qualquer medida disciplinar correctiva ou sancionatória. (ao contrário do que é dito no ponto 1 do artigo 22 do estatuto)
2 – A prova de recuperação a aplicar na sequência de faltas justificadas tem como objectivo exclusivamente diagnosticar as necessidades de apoio tendo em vista a recuperação de eventual défice das aprendizagens.
3 – Assim sendo, a prova de recuperação não pode ter a natureza de um exame, devendo ter um formato e um procedimento simplificado, podendo ter a forma escrita ou oral, prática ou de entrevista.
4 – A prova referida é da exclusiva responsabilidade do professor titular de turma, no primeiro ciclo, ou do professor que lecciona a disciplina em causa, nos restantes ciclos e níveis de ensino.
5 – Da prova de recuperação realizada na sequência das três semanas de faltas justificadas não pode decorrer a retenção, exclusão ou qualquer outra penalização para o aluno, apenas medidas de apoio ao estudo e à recuperação das aprendizagens, sem prejuízo da restante avaliação.
(ao contrário do que é dito nas alíneas b) e c) do artº 22, que força a 3 tipos de medidas ponderadas pelo conselho de turma, sendo a menor a realização de nova prova)

Muito bem. Concordo perfeitamente. Mas há aqui um pequeno problema. O estatuto do aluno é uma lei aprovada na Assembleia da República. O despacho da senhora ministra é apenas… um despacho! Um despacho de uma ministra pode sobrepor-se a uma lei da assembleia? Se calhar, pode, já que este é o país de Sócrates, do "quero, posso e mando". E lembro que a lei foi aprovada pelos senhores deputados da maioria (ao que me lembro, pela totalidade dos deputados da maioria). Deveriam ser agora esses mesmos deputados que sustentam a maioria a engolir o sapo da sua mudança, já que o despacho contraria a lei, e não é apenas uma clarificação. E isso, todos podem ver.

Professores devem repensar a sua forma de luta

De acordo com notícia do iol a senhora ministra "cede aos alunos" no que respeita à aberração da realização de uma prova quando o aluno dá faltas justificadas. Gostaria de conhecer melhor este despacho que, segundo a mesma fonte, data de ontem, domingo, dia do senhor. Todavia noto, com agrado, uma cedência a manifestações de alunos com lançamento de ovos à mistura; manifestações essas que eram manipuladas, segundo insinuações da equipa ministerial, por aqueles que estavam "contra as reformas da educação"; enquanto isso, e em relação aos professores, mantém-se Maria de Lurdes Rodrigues firme na sua determinação.
Que devem agora os professores fazer: atirar ovos à ministra ou pedir aos alunos que estes exijam a suspensão da avaliação dos seus professores?

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Esclarecimento (mais uma vez)

Acabo de ouvir "o expresso da meia-noite" na sic notícias. E ouço sempre mais do mesmo de supostos comentadores, experts, especialistas. Ouço que os professores não querem ser avaliados e que os sindicatos são intransigentes. Os ditos comentadores, especialistas, experts ou servem o poder ou não se preparam convenientemente ou são um pouco lerdos, perdoem-me a franqueza. Pelo que eu repito, enquanto professor:
Nós não queremos deixar de ser avaliados. Podem-nos avaliar à vontade. Mas não desta forma. Não que ela venha a ser injusta ou qualquer coisa do género. Só que ela está a desviar a nossa atenção, o nosso tempo, a nossa energia daquilo que nós precisamos de fazer: ensinar. Porque ela é, como já foi escrito "um delírio burocrático". É uma parvoíce pegada. É uma demência surrealista. Quem diz na TV, muito sabiamente, que todos os trabalhadores das empresas são avaliados (apesar da escola não ser uma empresa), que experimente aplicar esta avaliação a uma empresa. Verificará a sua irracionalidade confrangedora. É assustador como um ministério produziu semelhante monumento burocrático. Ultrapassa tudo o que já se tinha visto neste país com tanta tradição criativa nesta área. Não, por mais boa vontade que tenhamos, isto não vamos fazer. Desta forma, definitivamente, não.
E em relação aos sindicatos, note-se que desta vez não são os sindicatos a mobilizar professores. São os professores a puxar pelos sindicatos. Os sindicatos assinaram um memorando? Assinaram, sim senhor. E gora não o cumprem? Não o cumprem porque os seus professores não deixaram. Porque foram professores que espontaneamente convocaram a manifestação para Novembro, é fácil seguir-lhe a génese, que diabo! Os sindicatos foram arrastados e tiveram que ir atrás. O que se passa é que os nossos comentadores, experts, especialistas vão atrás da cartilha académica das corporações e cálculos eleitoralistas e não percebem que estamos perante um processo genuinamente democrático: são os trabalhadores que movem o sindicato e não o contrário. E assim é que deve ser. Naturalmente. A isto chama-se democracia, entendam de vez.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

(foto: "Rua de Alconchel")
A equipa ministerial responsável pela educação não quer saber que os professores se manifestem. Não ficam impressionados por 4/5 dos docentes virem para as ruas. Acham que isso é apenas uma manobra de intimidação, de chantagem, sobre o restante quinto que trabalha e faz andar a avaliação para a frente em todas as escolas (sim, porque a senhora ministra diz que a avaliação segue em todas as escolas). Já se percebeu que a equipa ministerial, defendida com aquela arrogância afectada do seu primeiro-ministro não discute sistemas de avaliação, como não discutiu nenhuma das suas medidas que têm lançado o caos nas escolas. Propõe em negociação porque antes decidiu e já está decidido. Não há nada a esperar de negociação, de greve ou de manifestação. As coisas serão como a ministra, género recente de déspota iluminado, pensou (que digo eu? pensou??). É um conceito limitado de democracia: decido porque fui a "escolhida" por um governo de maioria absoluta. Pensar que a democracia se esgota aquando da distribuição de votos, eu ganho, tu perdes, e agora eu faço o que quiser, não é ser-se democrático. Muito mais quando se despreza os "míseros votos" na expressão feliz do grande líder. Quando o espaço de intervenção do povo fica limitado ao depósito do voto numa urna, quando se desdenha com nojo de uma fatia da classe média intelectual e interventiva como são os professores, quando já não se disfarça a arrogância perante os mais fracos e se empola o servilismo perante os mais fortes, é a democracia que está em causa. A lei não existe só porque há uma maioria que vai bocejando num palácio chamado de São Bento, acenando améns a quem lhes garante o job e respectivas mordomias.

Por isso nada mais nos resta, a nós, professores, do que simplesmente não cumprir a lei.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

(professor na manifestação de 8 de Novembro, foto iol)
Já ninguém duvida do carácter patológico da ministra da educação. Tempos houve em que pensei que ela até tinha um qualquer projecto educativo, uma espécie de ideia académica que eu, na minha simplicidade, não conseguia atingir. Depois, julguei que afinal tudo o que fazia era apenas para poupar dinheiro. Vejo agora como estava enganado. Maria de Lurdes não tem ideias para a educação, nem sequer espírito economicista. Não tem nada. É apenas um tijolo obtuso que um truque de casting fez passar por ministra. Tudo o que a move é um ódio enorme contra os professores. Aquela conversa dos 4/5 de professores que não querem ser avaliados porque não querem é trabalhar estarem a intimidar as escolas cumpridoras, nem na velha memória das forças de bloqueio encontra paralelo, no que a estupidez diz respeito.

E depois veio logo o Sócrates a secundá-la, com a sua conhecida arrogância. Não ficam impressionados com cento e vinte mil professores na rua, não querem saber da opinião dessa cambada, fazem o que muito bem entenderem e estão-se nas tintas para os professores. Querem ir para a rua? Vão! Querem fazer greve? Façam, que se a greve causar perturbação temos sempre a requisição civil ou os serviços mínimos. Que resta então aos professores? Dentro do quadro democrático que os mesmos insistem -parvamente - em defender, nada! Há uma negociação fingida, está-se mesmo a ver; há um ignorar de argumentos e de presenças na rua. A única opção que parece estar a alastrar pelo profs é a sempre controversa desobediência civil. Nesse sentido, e pelo que vamos percebendo na net - que a comunicação social pouco diz a esse respeito -, existem muitos professores a não fazerem a sua parte enquanto avaliados ou avaliadores. É um caminho e não duvido que a senhora ministra tentará castigar exemplarmente todos os infractores.

Por isso, aconselho aos professores outro caminho: o da acção directa. É que neste sistema já não existe saída. Não há diálogo, não há respeito pelas outras ideias/opiniões/posições; não há aquilo a que muitos chamam a essência da democracia. A situação dos professores é apenas o microcosmos daquilo que se transformou o jogo de poder em Portugal, em que uma rica classe de mafiosos, protegidos pelo seu exército de boys e bufos faz o que muito bem lhe entende. E esta cambada de criminosos (são muito mais do que simples vegaristas ou aldrabões como, também erradamente, cheguei a pensar serem) perdeu a vergonha e a noção da decência.

Resta a esperança, já alvitrada, que os militares peguem de novo em armas e desta vez se deixem de revoluºões poéticas com flores. O que vai ser difícil, apenas porque pertencemos à União Europeia. É a primeira consequência verdadeiramente má dessa pertença. Mas, ao fim e ao cabo, em 1974 também pertencíamos à NATO.

É que, se calhar, nós podemos.